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O Departamento de Justiça dos Estados Unidos (DoJ) enviou uma carta ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, questionando a decisão de bloquear o perfil do jornalista Allan dos Santos na plataforma Rumble. Allan dos Santos reside atualmente nos EUA. Confira a íntegra da carta no final da matéria.
No documento, datado de 7 de maio, o DoJ afirma que, embora não vá comentar a “exequibilidade” das ordens judiciais brasileiras sobre o funcionamento da plataforma no Brasil, as diretivas não podem ser cumpridas em território americano.
A carta ressalta que, para que as decisões do STF tenham validade nos Estados Unidos, é necessário seguir procedimentos legais específicos, como a abertura de um processo em um tribunal americano. O conteúdo da correspondência foi divulgado pela CNN Brasil.
Eis a íntegra da carta:
Assunto: Processo nº 9.935 da Justiça Federal
Prezado Ministro Alexandre de Moraes,
O Departamento de Justiça dos Estados Unidos refere-se ao processo acima mencionado e apresenta seus cumprimentos ao Supremo Tribunal Federal do Brasil (“Tribunal”).
Dentro do Departamento de Justiça, o Escritório de Assistência Judicial Internacional (“OIJA”) atua como Autoridade Central em conformidade com:
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a Convenção da Haia sobre a Citação e Notificação de Documentos Judiciais e Extrajudiciais em Matéria Civil ou Comercial (“Convenção da Haia sobre Citação”), e
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a Convenção da Haia sobre a Obtenção de Provas no Exterior em Matéria Civil ou Comercial (“Convenção da Haia sobre Provas”).
Já o Escritório de Assuntos Internacionais (“OIA”) atua como Autoridade Central dos Estados Unidos no âmbito dos Tratados de Assistência Judiciária Mútua em Matéria Penal (“MLATs”), incluindo o Tratado entre o Governo dos Estados Unidos da América e o Governo da República Federativa do Brasil sobre Assistência Judiciária Mútua em Matéria Penal (“MLAT Brasil-EUA”) e outras convenções multilaterais que preveem assistência judiciária mútua, das quais Brasil e Estados Unidos são signatários.
Fomos informados por Boies Schiller Flexner LLP, advogado externo do Rumble Inc. (“Rumble”) nos EUA, que seu cliente recebeu quatro documentos judiciais relacionados ao processo acima mencionado, descritos da seguinte forma:
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uma ordem de 9 de fevereiro de 2025;
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uma ordem de 10 de fevereiro de 2025;
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um mandado de intimação e ordem associada de 19 de fevereiro de 2025; e
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uma decisão de 21 de fevereiro de 2025.
Segundo as traduções fornecidas pelo advogado do Rumble, os documentos visam instruir a empresa — organizada sob as leis do Estado de Delaware, nos EUA, e com sede principal nos Estados Unidos — a:
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bloquear contas associadas a um indivíduo identificado na plataforma de mídia social da Rumble;
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suspender a transferência de pagamentos a esse indivíduo; e
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fornecer ao Tribunal brasileiro informações sobre transferências de pagamentos previamente executadas.
As ordens são acompanhadas de ameaças de sanções monetárias e outras penalidades.
Sobre a exequibilidade das ordens
Não nos posicionamos sobre a exequibilidade das diversas ordens e documentos judiciais no território brasileiro — questão que compete ao direito brasileiro. No entanto, no que diz respeito às determinações que exigem ações específicas nos Estados Unidos, informamos respeitosamente que essas ordens não são judicialmente executáveis em solo norte-americano.
Conforme o direito internacional consuetudinário, “um Estado não pode exercer jurisdição para executar ordens no território de outro Estado sem o consentimento deste” (Reformulação (4ª) Lei de Relações Exteriores dos EUA § 432, Am. Law Inst. 2018). Vide também a nota 1 do relator, que define a jurisdição de execução como o desempenho de funções governamentais coercitivas — por exemplo: cumprir processo compulsório, conduzir investigações, tomar depoimentos e executar ordens de produção de documentos.
Nesse sentido, conforme decisão em Fed. Trade Comm’n v. Compagnie de Saint-Gobain-Pont-à-Mousson, 636 F.2d 1300, 1313 (D.C. Cir. 1980): “O ato de intimação constitui exercício da soberania de uma nação dentro do território de outra. Tal exercício constitui violação do direito internacional”.
Para que uma sentença ou ordem judicial estrangeira em matéria cível seja executada nos EUA, é necessário o ajuizamento de uma ação específica em tribunal competente, que aplicará a lei norte-americana para decidir sobre a concessão da medida solicitada. Existem diversas bases legais que permitem a não concessão do reconhecimento, como a ausência de devido processo legal ou incompatibilidade com garantias constitucionais dos EUA, como a liberdade de expressão.
Portanto, as ordens judiciais brasileiras não são automaticamente exequíveis nos Estados Unidos sem um processo legal de reconhecimento e execução.
Sobre a entrega de documentos ao Rumble
Gostaríamos também de manifestar preocupação quanto à forma de entrega dos documentos ao Rumble. Não temos, até o momento, informações suficientes para determinar a natureza do processo — se cível ou criminal.
Caso o Tribunal brasileiro deseje instruir o Rumble a adotar medidas no Brasil, a entrega dos documentos nos Estados Unidos deve seguir um canal apropriado, conforme o direito internacional consuetudinário e os tratados aplicáveis entre os dois países. O canal de entrega adequado depende da natureza da ação.
Procedimentos para casos civis e comerciais
Para questões civis e comerciais, a citação deve ser feita em conformidade com a Convenção da Haia sobre Citação, utilizando o canal principal (Artigo 5) ou outros canais alternativos (Artigos 8, 10 ou 25).
Solicitações de provas ou informações de terceiros em casos civis e comerciais devem ser feitas por meio de Carta Rogatória ao OIJA, conforme a Convenção da Haia sobre Provas. Ressaltamos que, de acordo com o Artigo 12(b), o OIJA não empregará medidas compulsórias para forçar uma testemunha não envolvida a cumprir uma solicitação estrangeira de produção de provas.
Procedimentos para casos criminais
Os EUA podem prestar ampla assistência em casos criminais quando as provas ou informações estão localizadas em território norte-americano. Como Autoridade Central no âmbito dos MLATs, o OIA auxilia autoridades estrangeiras na obtenção de dados e provas para uso em investigações, julgamentos e outros procedimentos judiciais.
A assistência pode incluir a notificação de processos e outros documentos a pessoas localizadas nos EUA. As solicitações devem ser feitas por Autoridades Centrais ou Competentes legalmente designadas, conforme o tratado ou convenção aplicável. A OIA só pode atender às solicitações feitas por meio da Autoridade Central do país solicitante, conforme o Artigo 13 da Convenção Brasil-EUA.
O MLAT prevê expressamente a entrega de documentos judiciais do Estado requerente à parte apropriada no Estado requerido.
Colocamo-nos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais.
Atenciosamente,
Ada E. Bosque
Diretora Interina
Departamento de Justiça dos EUA
